A insegurança da (in)decisão

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Sabe de uma coisa, pode desabar em mim. Desabe, desabafe, se expresse furiosamente, que seja, mas faça algo. Diga algo. Nessa altura eu não me importo com o que você irá dizer, só me basta ouvir a sua voz ecoando por esse quarto, então apenas fale a verdade para mim. Pelo menos dessa vez, eu te peço. Sem rodeios nem preliminares, arranque num só movimento o band-aid, e deixe a ferida secar, por que eu sou muito medrosa para arrancar sozinha. Você não sabe que ansiedade é o mal dessa juventude? Somos todos.

Meu mundo não colidirá se a sua resposta não corresponder às minhas expectativas – ao contrário do que a “eu de 15 anos” pensava, existe sim jeito de se recuperar de uma rejeição. Jeitos, aliás, no plural – mas a ansiedade, ah, esta está me remoendo. Explorei em todos os cantos das nossas conversas, das nossas memórias, indícios que me fizeram pular de conclusão precipitada em conclusão precipitada, e saí da minha cabeça do mesmo jeito que entrei: sem compreender nada e consideravelmente mais estressada. Como eu disse, a ansiedade é o mal do milênio.

A máxima aqui é que posso parecer frágil, mas eu não quebro fácil. A gente vai ficando boa nessas coisas de autoproteção, de se amar acima de tudo, de se sentir inteira mesmo sozinha. Então vai em frente, desabafe, se decida, por que você sabe que meu lado já está escolhido, e mesmo eu realmente gostando da ideia de ter você no meu time, o contraponto de seguir sozinha não me amedronta mais.

Não radicalize também. Triste sempre ficamos, e é natural concluir que, pelo tempo que invisto nisso, você signifique algo pra mim. Óbvio. Mas eu não posso me forçar a ser um marco na sua vida. Óbvio.

Além do mais, você nunca provou o meu brownie de nutella – essa merda faz milagres – cura desde corações partidos até crises existenciais, só não melhora ressaca (ok, talvez não faça milagres de verdade). Então estarei bem acompanhada caso você queira parar por aqui.

Angustias e ansiedades todos carregam, então se comunique comigo. Mesmo. Se abra, fique vulnerável, compartilhe suas dores, confie que eu não vim pra te fazer sofrer. E se você quiser ficar no meu time, não vamos perder mais tempo. Mas se esse não for o caso, não se preocupe, eu sobreviverei, assim como nossas lembranças boas, e poderei dizer que pelo menos eu criei um texto bom – decente – de tudo isso.

É preciso se deixar levar

Ele se foi já faz um bom tempo, um ano ou mais, não sei bem ao certo, mas existem manchas suas que estão complicadas de tirar. Achei que se eu deixasse meu coração de molho elas fossem sair mais fácil, mas o processo é lento.

Não impossível. Apenas lento.

Não é como se eu ainda esperasse por ele em algum nível, não, essa mancha já foi esfregada por completo e mesmo se eu voltar a enxergar um resquício dela já não me incomodo de sair e deixar o mundo ver o pouco desta sujeira que ainda me cabe.

Mas sim, ainda existem manchas que me afligem e que instigam a minha insegurança por onde vou. Ele não manchou apenas o meu passado, houveram respingos maiores que eu só fui perceber mais tarde – o que na época era o meu futuro, e hoje meu presente – e que parecem que, por terem sido deixadas de lado, não querem mais sair. Eu vejo o rosto dele em todas as minhas tentativas de relacionamentos, mas não com um saudosismo da “nossa época” ou como um ideal a ser batido, eu o enxergo como uma previsão de que tudo, por mais infinito que pareça, um dia acaba. O seu amor era como um cobertor que me esquentava e que, no dia em que ele chegou e me descobriu, me deixou de alma fria.

Sinto como se eu tivesse medo de o dia que alguém voltar a querer esquentar meu coração de gelo, este apenas derreta. Vivo evitando a felicidade, dando voltas desnecessárias na minha mente, amedrontada não apenas com o pensamento de me machucar novamente, mas também de ser a pessoa que manche a história de alguém. Dá ou não dá pra falar que isso é egoísmo? Guardar afeto apenas para você por receio de machucar os outros?

Por outro lado, tento me lembrar de que não posso personificar o meu pior caso como a história da minha vida. Na minha biografia não pode conter o nome dele em todos os capítulos. Preciso deixar um deles intactos, deixar esta mancha de fora do capítulo em que eu conto como te conheci, e como desde a primeira vez que te vi todos os outros rostos ficaram borrados e esquecidos na escuridão. Eu não tinha previsão nenhuma, e isso era bom.

Então eu te peço uma coisa, quando eu abrir meu coração para você, por favor tente passar por cima do fato de estar frio lá dentro por enquanto – I´m still working on it – porque eu sei e espero que juntando dois corações presos no inverno, nós possamos esperar pelo verão sem medo algum.

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A-mar

É claro que alguém como você só poderia ter mar no nome. Mar. Essa imensidão toda que sabia perfeitamente como caber aí dentro. Tempestuosa, deixava claro a todos o seu lugar, a sua força. Mas também queria dividir a sua beleza nos dias calmos e ensolarados.

Não sei dizer quais eram meus dias preferidos, mas sei que gostava de todos os humores que decidia ter. Se as ondas batiam se jogando pra lá e pra cá, nos molhando dos pés à cabeça. Ou da calmaria, onde eu podia simplesmente me jogar e boiar como quem não precisa de mais nada. Teu mar era tudo. Tava ali dentro dos seus olhos, tão verdes e tão claros como nos dias que os raios solares desafiavam a beleza das águas forçando um encontro.

Teu mar era meu mar. As águas que eu conhecia tão bem de tanto me aventurar. As águas que mesmo estando em cada canto, eu jamais poderia desvendar tamanha imensidão. Teu mar era vasto, tomava conta de cada pedaço de terra que encontrava, como se quisesse abraçá-lo. Teu mar desconhecia o horizonte, desconhecia o limite. Teu mar era único, era interminável. Era o mar que engloba a tudo e a nós.

Nessas águas havia muito ainda que navegar. Havia a eternidade de ondas que podíamos pular ou simplesmente pegar um jacaré. A mim só coube guardar pedaços seus. Uma concha aqui e ali. O mar era seu e eu que tive o privilégio de me banhar. Eu que tive a licença de achar um pedacinho pra mim na imensidão. Eu que quis teu mar pra me afogar sempre.

É claro que você só podia ser mar, porque o mar só podia ser seu. Tava no seu nome, tava nos seus olhos, tava no destino. Só podia ser tu, mar. Só podia ser imensidão.

Retalhos

Tudo parece ser em outra vida agora. Tento fechar meus olhos e lembrar do seu sorriso, mas as lembranças já são fracas, parece que não me pertencem mais. Estou lutando com unhas e dentes para não esquecer, mas tudo o que consigo me lembrar parece que foi há anos atrás. Outros tempos. Outro eu, outro você.

Seu sorriso já não tem a mesma luz. Seu olhar parece distante e mal consigo ver o seu rosto. Nossos momentos de anos já são apenas segundos e cada milésimo se torna ainda mais difícil. E eu continuo ali, tentando mudar alguma coisa, tentando interagir. Tentando fazer com que tudo não seja apenas imagens que se confundem numa tela.

A verdade é que tudo isso me mudou, todas essas marcas. Desde que você se foi eu não sou mais a mesma nem a vida é mais a mesma. Tudo se resume a pequenos retalhos do que já vivemos e a coisa que eu mais queria poder fazer nesse momento é resgatar as imagens que me restam. Resgatar os detalhes de você que ainda estão em mim. Resgatar tudo o que já fui um dia com você ao meu lado.

Toda vez que fecho os olhos é para tentar voltar, tentar reviver. Tentar sentir pelo menos mais uma vez. Eu já não consigo fazer isso como antes. Cada vez que tento é como se mais uma parte se fosse.

Tudo parece um filme. As cenas perfeitamente dirigidas, a fotografia já um pouco desgastada, a imagem ficando envelhecida, a história que se repete, os detalhes que vão ficando para trás… Mas no fim agora sou apenas espectadora. Espectadora de uma vida que já foi minha, de cenas que eu já participei. A pior parte é saber que foi baseado em fatos reais.

Parte ela, parte mundo

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     Ela é do tipo que não acredita em signos, mas está sempre por dentro de que casa sua lua se encontra, e não perde uma oportunidade de falar por entre um sorriso solto “Isso é típico de libriano” toda vez que tenho que decidir algo. Sempre levamos um bom tempo decidindo onde vamos jantar. Ela também é de libra. Ela chora assistindo programa de competição de canto, chora assistindo programa de reforma de casas, assistindo o jornal, cara, ela deve chorar até em propaganda de mercado. Não vou negar, as vezes chega a ser patético, mas nunca deixa de ser um ato lindo, um momento só dela, no qual ela não está dando nenhuma importância para a sua opinião e julgamentos. Ela não deixa lágrimas a diminuírem.

     Nem sempre ela chora por estar emocionada com algo, sabe, – como quando a música certa aparece na hora certa no aleatório do Spotify – mas muitas vezes é por pura explosão de raiva mesmo. Me corta o coração ver seus olhos marejarem quando brigamos, pois sei o quanto ela gostaria de se manter forte à minha frente e suportar o seu lado da discussão, sem se render a argumentos soprados por entre soluços e lágrimas. E quando eu finalmente recuo e a abraço, por uns segundos ainda posso ouvir o som abafado dela discutindo consigo mesma e me chamando de idiota. Eu tive que aprender que sua risada tímida, seguido por um “idiota” é seu jeito nada meigo de dizer que me amava. Aliás, essa garota quase não exterioriza a frase “eu te amo”, e sim, prefere me mostrar em pequenos momentos o quão importante sou para ela, seja me mandando no meio da tarde mensagens aleatórias sobre seu dia, ou então, quando me deixa escolher o filme no Netflix por que ela sabe que irá dormir nos primeiros quinze minutos. Malditos librianos, nunca escolhem nada mesmo.

     Com todo respeito aos Raimundos, mas essa é uma mulher de fases. Ela tem pequenas obsessões temporárias e esses dias, por exemplo, passou horas vendo vídeos de coreografias de dança de rua, e chegou em casa já querendo se matricular num desses studios de dança. Semana passada foi a mesma coisa, mas com curso de corte e costura. Claro que a realidade chegou com tudo e ela acabou nunca aprendendo a pregar um botão e o mais perto que ela chega de dançar é quando tem que terminar de se arrumar correndo, por que tinha me falado que iria levar dez minutos para ficar pronta, mas já se passaram vinte e cinco.

     O que parece dançar mesmo, são seus lábios toda vez que ela fica nervosa e começa a falar sem parar. E sem pensar. Essa garota já admitiu que no nosso primeiro encontro se arrependeu de cerca de duas a cada três palavras que falou, pois achou que nem fizeram sentido. Eu me apaixonei em cerca de três a cada três palavras. Ah, falando no nosso primeiro encontro, lembro até hoje dela sentando despreocupadamente na cadeira, enquanto eu, ignorado, fiquei de pé no outro lado da mesa segurando cordialmente a cadeira pra ela sentar. Ela me olhou, com seu rosto ruborizado, e falou um simples “Eu achei que você estava puxando a cadeira para você mesmo ‘ué’!”. Ela quis dividir a conta. Eu não deixei. Ela insistiu. Eu paguei escondido enquanto ela ia no banheiro.

     Ela é do mundo, mas reside no coração de muitos, e leva um número maior ainda no peito. Ela é parte ela, parte eu, parte seus pais, irmãos e amigos. Ela é libriana, chorona, de fases, sincera, feminista e cheia de defeitos.

Ensaio

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Isso é sobre estar totalmente quebrada e não saber para onde ir. Chega um determinado ponto da sua vida que você se vê onde você queria estar, mas em um modo totalmente diferente. E você não sabe como agir.

Por um breve momento eu achei mesmo que podia ter as rédeas. Sabe, ser aquela menina que sempre soube o que quer e o caminho exato para atingir. Cheguei muitas vezes a ouvir “ela se basta”. E eu gostava de ser ela. A que chegava e todos sabiam que ela estava bem consigo mesma, com o mundo, com tudo. Tão bem que não precisava de nada além dela mesma para se fazer feliz. E eu fui boa nesse papel. Sei que consegui muitos admiradores que entraram em conflito ao tentar entender ou seguir essa filosofia.

Eu gostava tanto da personagem que encarei o papel com entusiasmo. Quando percebi, não era a personagem que precisava de mim para viver, mas eu que precisava dela para continuar. Eu era como um ensaio mal feito de mim mesma. Uma versão que criei tão boa em ser assim que, de tão bom, se desgastou. Pessoas que se bastam demais não precisam das outras, então, por que as outras ficariam?

Não ficaram. Uma a uma se retirou da plateia e eu fiquei ali, no palco, sem nenhuma fala. Dos bastidores comecei a acompanhar os novos passos da história que eu não era mais a protagonista. E fiquei pelos cantos ouvindo os novos atores, que seguiam de uma história para a outra. Mas por que eu também não podia seguir? Não, eu era boa demais naquele papel. E, assim como qualquer história, eu fiquei para trás. O sucesso de bilheteria deu lugar a outro, que deu lugar a outro e mais outro. E eu fiquei. Eu não queria abandonar o palco, mas aquele já não era o meu cenário.

É claro que já te disseram que as mudanças são inevitáveis, assim como a nossa necessidade de nos adaptarmos a elas. Mas quando você se apega e aquilo passa a ser o seu equilíbrio, é fácil demais cair e se desnortear. Então, aqui estou eu, revirando as páginas apressadamente para ver se eu ainda posso me encaixar nelas. Para ver se ainda há uma história a ser contada.

No fundo a gente só tem que aprender que a procura não é por um novo personagem, mas por nós mesmos.

Hoje não

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Eu sempre costumo dizer que tudo melhora com o tempo, mas hoje não foi mais um desses dias. Hoje tua falta doeu. Doeu mais do que se uma faca tivesse entrado direto no meu peito. Não, hoje não teve como escapar. Parecia que tudo aquilo que vivi há seis anos estava de volta. A falta de ar, os porquês, o aperto incessante no peito como se eu estivesse te chamando de volta.

Hoje não deu pra dizer que eu estou bem sem você aqui. Não deu para me enganar que eu não estava sendo egoísta ao extremo por querer que você ainda estivesse aqui por mim. Talvez alguém tão pura como você não deveria mais estar nesse mundo, só que essa tua pureza era o que me ajudava tanto a me limpar da vida.

Quando eu disse que meu sorriso não seria mais o mesmo quando você se foi, eu não menti. Não que eu não tenha tentado, Deus sabe o quanto eu tento todo dia fazer valer a pena. Tive meus momentos e em todos eles eu desejei que você estivesse ali, partilhando cada segundo.

Só por hoje eu não vou dizer que tá tudo bem. Não vou dizer que a tua falta agora se aquietou aqui no peito – porque a falta mesmo nunca vai embora. Hoje não posso e não quero mais fingir que a tua perda não fez todo o meu mundo cair.

Hoje eu desmoronei, assim como quando soube que eu não tinha mais chão. Eu quis juntar toda aquela areia que andamos juntas pra trazer você de volta. Eu achei que, de alguma forma, refazendo os passos, eu teria qualquer chance. Hoje não deu pra fingir que você simplesmente está em uma longa viagem e me enganar com as memórias, que já estão me deixando, por mais que eu tente prendê-las.

Hoje não está sendo mais fácil. Hoje a tua risada fácil me faz falta. Hoje eu só queria sentar naquelas pedras e ver mais um por do sol com você. Nem que fosse pra você dizer “vai ficar tudo bem”. Hoje eu só quis gritar que te amei, da forma mais pura que o amor pode existir. O amor que nasce sem a gente querer e que cresce porque fizemos questão de amar ainda mais. Amor que não quer nada em troca, além da companhia fácil. Amor de quem não precisa estar perto o tempo todo, mas ainda assim quer estar. Mas que ainda assim escolhe ser.

Hoje eu só queria ter podido frear aquele momento. Só queria que um segundo não fizesse tanta diferença. Hoje não quero mais fingir que tá tudo bem. Hoje, mais uma vez, você não estava aqui.

Mudo

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O rádio do meu carro quebrou. Quebrou há algum tempo, mas vivo esquecendo de consertá-lo e acabo tendo que desfrutar forçadamente de um silêncio entre um semáforo e outro. Normalmente eu estaria cantando e interpretando músicas afora, ignorando os olhares estranhos dos pedestres que passam por mim, porém, ali naquele veículo agora sem som, o silêncio me consumia e me forçava a preencher os vazios com pensamentos.

No meu carro ficou o seu cheiro. Aquele perfume que na minha cabeça já está rotulado como seu. Imagino que foi daquela vez que fomos sair pra tomar um sorvete (no maior estilo “somos tão jovens”) o qual acabou virando um café (agora sim, mais na nossa faixa etária) o qual, por sua vez, acabou virando uma sessão de músicas nostálgicas dentro do carro – resquícios de uma época na qual o rádio não havia me deixado ainda.

Essas duas peculiaridades, individualmente, eram inocentes, porém, conjugadas se transformavam no meu pior pesadelo: tempo para pensar em nós. Nosso relacionamento é composto de dualidades, quando eu posso, você não pode; quando você quer eu desvio a atenção; quando estamos juntos é maravilhoso, porém quando nossas mãos não estão perto o suficiente a ponto de se tocarem, mal parece que nos conhecemos. Juntos nosso rádio toca as mais belas músicas, sozinhos meu rádio quebrado me enlouquece em seu silêncio ensurdecedor. E viver nesses extremos está me desgastando tanto que fico perdida, apenas andando por aí, tratando de sobreviver neste meu mundo mudo.

Verdadeiramente não sei o porquê de eu ainda gostar de você, porque que lembranças daquele café – e de tantos outros – me fazem sentir tão bem e como ainda continuo comparando todos a você. Aliás, nem você entende meus motivos, me pergunta o que vi em ti no início e como continuo enxergando isso depois de tudo. Bom, bem vindo ao clube dos que não entendem minha cabeça. Será que o coração quer o que ele quer, mesmo que isto seja o fim dele? –         That´s just fucked up man.

E agora, sentada no meu carro quieto, parada num semáforo verde numa avenida qualquer, ouvindo apenas o som abafado das buzinas dos carros atrás de mim me pedindo parar arrancar, uma ideia me atinge: o problema nunca foi consertar o som – não, isso é fácil – mas sim o medo de eu saber que mesmo funcionando, nossa música nunca mais será tocada no meu rádio.

Depois

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E ali estava ela, na minha frente, depois de tantos anos. Tomando seu café, com os cabelos presos, óculos e uma concentração incrível no computador. Ela nem notava que eu a observava, assim como nunca notou. Ela é linda, seja dormindo ou mordendo os lábios quando está ansiosa.

O fato é que agora estamos eu e ela aqui, no mesmo lugar. Depois de anos. Depois das inúmeras vezes que me peguei imaginando como seria encontrá-la por aí, por acidente, depois de tudo. Depois de pensar o que eu diria. Depois de decorar todas as coisas que eu já quis dizer para ela e não pude por não conseguir.

E agora, que finalmente estamos nesse momento, eu olho para ela e me esqueço de tudo. Só consigo pensar nos momentos que vivemos. Essa mulher marcou a minha vida e aposto que nem sabe. A culpa é minha, que não a deixei saber que, mesmo naquela época, eu já sabia que ela era a mulher mais interessante que passaria na minha vida. Fico imaginando a mulher que ela se tornou hoje.

Eu só queria que ela soubesse que eu errei de todas as formas. Que eu não faço ideia do estrago que possa ter feito, mas sei que jamais deveria ter fugido. Que eu sempre quis que ela fosse feliz. Tão feliz que eu não estava pronto, que eu não era o homem preparado para fazê-la sorrir até com o estômago. Queria que ela soubesse que eu também tinha minhas inseguranças, que ela também me amedrontava, com seu jeito pronto, decidido.

Ela provavelmente já sabe da verdade. Sabe que se, na época, eu estivesse disposto a fazê-la feliz, teria lutado mais por nós dois. Aposto que ela também já sonhou com esse nosso reencontro, mas não da forma como eu sempre pensei. E é isso que me afasta dela hoje. É isso que me impede de levantar, ir até lá e dizer: “garota, você sempre mereceu o mundo”. E eu realmente espero que o mundo esteja pronto para ela. Que ela tenha se entregado a ele de uma forma que eu nunca soube fazer. Que eu sei que ela é capaz de abraçá-lo, de se entregar a ele de uma forma tão intensa que eu nunca soube lidar.

O que eu queria dizer para a menina que eu conheci é que ela jamais deveria ter medo da sua própria intensidade. Que a culpa sempre foi minha. E que eu sempre desejei que ela crescesse e se tornasse a mulher que tenho certeza que ela é hoje.

Antes que eu consiga criar coragem, já há outra xícara de café a acompanhando. Entre os sorrisos que vejo, tenho a certeza de que ela não abandonou sua intensidade. E que o mundo deu um jeito dela sentir todo o amor que eu nunca pude dar e ela sempre mereceu.

Agora tudo o que eu queria dizer é “trata de ser feliz”.

Vai dar saudades. Na ida e na volta.

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     E então ela foi. A visão sobre o seu futuro era embaçada, quase irreconhecível, como se de repente arrancassem os seus enormes óculos de grau por trás dos quais ela se esconde – ou pensa que o faz. Incrivelmente, mesmo temporariamente cega, tinha um sentimento prazeroso provindo da incerteza do futuro, como se soubesse que não voltaria a mesma daquela viagem. E não voltou.

     Seu passaporte e passagem em suas mãos pesavam mais que o normal, como se nela contivesse o seu coração, o de sua mãe, do seu pai e irmão, rebatendo o vazio que se instalava no seu peito. Todas as previsões partiam de um sentimento de medo: medo da saudade, medo de não se fazer entender em outra língua, medo de não se dar bem com os novos colegas de trabalho, medo de se virar sozinha, de não botar fogo na cozinha e de aprender a ciência espacial que existe por trás da arte de se dobrar um lençol com elástico nas pontas. Mas a relutância principal era o pavor de ocorrer tudo muito bem e ela não querer mais voltar para casa, de se sentir em casa lá.

     Rio quando o seu pai, ao pé do seu ouvido enquanto a abraçava e despedia-se, sussurrou: “Só não vai arrumar um namorado lá, a passagem é cara”. Mal sabe ele quantas vezes sua filha inocentemente declarou a quem quisesse ouvir que o seu amor não se encontrava no Brasil. Gargalhou, porém com o rosto já com lágrimas, quando o seu irmão a pegou nos braços e disse: “Por favor, vai e volta inteira. E veja se não demora, eu sozinho em casa com os nossos pais não é a melhor das ideias!”. Sua mãe não precisou dizer nada, ambas se entediam só pelo olhar, e podiam sentir as lágrimas rolarem por seus pescoços.

     Fechou a alma para o arrependimento e embarcou, com os braços e mente abertas para o mundo. Os três meses seguintes passaram quase como que em dois atos: o primeiro arrastado e agoniante; o segundo eufórico e – agora – nostálgico.

     O primeiro ato durou – no mundo real – menos que o segundo, porém no pequeno grande mundo da imaginação dela aquele primeiro mês negro parecia ter se estendido por uma larga passagem de tempo. Tudo a lembrava a sua casa e família; odiou a neve e o frio; seu emprego era sacal e estava cansada do couch surfing em casa de intercambistas peruanas e argentinas – quem diria que uma língua tão parecida com o português a irritaria tanto! Era isso, a viagem estava fadada a encerrar mais cedo por motivos de “o que ela estava fazendo lá?!”.

     Em meio ao caos de sua mente e num canto onde o pavor da saudade não tinha se apoderado, chegou um belo dia – e por belo entenda ridiculamente maravilhoso, estilo cena de filme – um “belo dia” montado num cavalo branco pronto para salvá-la de si mesma. O por do sol brilhando em diversos tons, sendo rebatido pela água cristalina do lago, dobrando o seu poder, com as montanhas brancas ao fundo quase como uma pintura emoldurando o pier que parecia ser atraído para o meio do lago. Nesse dia, com este cenário irreal a sua frente nada parecia mais importar, ela estava alí, naquele momento, onde sempre quis estar mesmo antes de escolher estar, e não podia – não se perdoaria – se estragasse tudo graças ao seu sistema nervoso “um pouco” nervoso demais.

     Mudou sua postura com o mundo e foi abençoada com presentes do universo: amizades sinceras, experiências de vida, lembranças doces de tardes preguiçosas, realizações sem possível descrição. Karma is not always a bitch! E assim, meio que por mágica ela entendeu o que estava fazendo lá, o quanto ela precisava daquilo e o crescimento psicológico e espiritual que aquela viagem traria não só a ela, como a sua família também.

     Já não ligava mais para o frio – até gostava – e não conseguia mais ver a sua vida alí sem seus amigos do trabalho e viagem. Tudo se encaixou e aquietou no mundo – no real e no imaginário – e ela podia até cantar: “O Lake Tahoe continua lindo!”.